Como é sabido, nomeadamente entre aqueles
advogados que militam na seara do tribunal popular, é proibido a utilização do
denominado discurso de autoridade, tendo
o legislador indicado as situações por meio do art. 478, caput e incisos do CPP, introduzido pela Lei. 11.689/08, a qual
trouxe várias alterações pontuais no procedimento bifásico ou escalonado do
júri.
Assim,
o tribuno da acusação ou defesa não podem valer-se do discurso de autoridade no
tocante à sentença de pronúncia, bem como das decisões posteriores que julgaram
admissíveis a acusação, o uso de algemas no acusado e ao seu silêncio no
plenário de júri, seja para beneficiá-lo ou prejudicá-lo, excepcionado o último
caso – o silêncio do acusado no plenário de júri –, o qual não pode ser
utilizado para prejudicar o réu, mas somente para beneficiá-lo.
Mas,
afinal, o que é o discurso de autoridade? O discurso de autoridade, também
chamado discurso privilegiado ou covarde, é aquele em que o orador,
divorciando-se dos fatos ou das provas ou ainda por falta deles, lança mão do
prestígio de seus títulos, cargos ou funções, almejando fundamentar a
condenação, convencendo ladina e matreiramente seu interlocutor ou
público-alvo, no caso do plenário de júri, os jurados, ou seja, no discurso de
autoridade o tribuno do júri esquece deliberadamente a prova dos autos, porque
não lhe interessa enfrentá-la, eis que é desfavorável, ou ainda que quisesse enfrentá-la,
não poderia em razão de sua ausência ou fragilidade, quando então o tribuno não
teria autoridade de discurso, em razão do quadro probatório, restando-lhe
apenas o conforto de se valer astutamente do discurso de autoridade, o qual na gênese não passa de um engodo,
embuste, falácia, arapuca, mentira, tendo por escopo, objetivo simplesmente
embair, enganar os jurados, o que pode ter muito êxito ainda mais quando se
trata de oradores experientes, com longo traquejo na atuação em plenários,
aliado ao fato de o tribuno ostentar alguma autoridade decorrente de seu cargo
ou função, o que comumente acontece com o membro do MP em suas atuações nos
plenários de júris.
Com
efeito, salvantes as hipóteses taxativas elencadas no art. 478 do CPP e já
mencionadas, o discurso de autoridade (e não a autoridade do discurso), não é
vedada, proibida no tribunal do júri, apenas que pode pegar de surpresa o
tribuno que esteja em campo oposto, normalmente o defensor, minando às vezes um
contra-ataque argumentativo e com isso dando ensejo a que esse discurso de
autoridade se transforme em verdade perante um incauto conselho de sentença,
formado por sete pessoas do povo com diversas profissões, raramente com
formação jurídica, suscetíveis, portanto, dessa tática arbitrária, dessa
estratégia venenosa!
Desse
modo, não será raro ouvir-se no plenário do júri o membro do MP asseverar aos
jurados, sem qualquer medo de ruborescer, que ele é promotor de justiça e que
só tem interesse em condenar o culpado, podendo tanto pedir a condenação como
também a absolvição do réu e, se num dado caso, está pedindo a condenação é
porque o réu é culpado, eis que se fosse inocente, não precisaria nem que a
defesa fizesse isso, pois ele próprio, promotor de justiça, faria isso e por aí
vai a avalanche de retóricas com um indubitável viés autoritário, isto é, o MP
deve mostrar e argumentar aos jurados com prova segura da culpa do réu e não
deixar tudo isso de lado, partindo para explorar o prestígio de seu cargo de
promotor de justiça!
Na
posição cênica ou topográfica no plenário de júri, essa situação é ainda mais
trágica, uma vez que o membro do MP, além de poder se utilizar desse famigerado
discurso de autoridade baseado no seu cargo de promotor, tem ainda a seu favor
um assento privilegiado, considerando que se localiza na sua maioria esmagadora
à direita do juiz presidente do júri! Ora, se é verdade que um gesto vale mais
que mil palavras, a imagem vale muito mais, até dispensando o gesto!
Convencemo-nos facilmente por imagens, traduzidas por símbolos. Assim,
exemplificando, na doutrina cristã, quem é que fica à direita do Pai todo
poderoso? Resposta: o filho.
Dessa
forma, enquanto o promotor fica à direita do juiz presidente, a defesa não fica
sequer à esquerda dele no mesmo mobiliário, mas atirada, normalmente a esquerda
mas sem qualquer vínculo com a mesa do juiz, como se fossem um ser desprezível,
prescindível etc., passando inequivocamente aos circunstantes a falta de
importância daquele ser de beca, de cordão preto, totalmente desvinculado do
palco fúnebre armado inexoravelmente para favorecer impiedosamente a imolação
do acusado perante o altar do povo!
O
defensor poderá combater esse discurso de autoridade informando com veemência durante
sua fala ao conselho de sentença que esse procedimento é falacioso, estrategicamente
deplorável, uma vez que não se pode condenar alguém apenas pelo prestígio do
cargo, mas sim com lastro nas provas; que não é verdade que a promotoria pode
sempre pedir a condenação ou absolvição, certo que se houver prova para a
condenação, não poderá jamais pedir a absolvição, sob pena de o juiz presidente
julgar a sociedade in defesa; que não é verdade que quando o promotor pede a
condenação o réu é culpado, certo que em muitas situações em que isso acontece
os jurados absolvem, ou seja, o promotor não é, não pode, e não deve ser o dono
da verdade, uma vez também que ele, promotor, é parte processual, isto é, não é
isento, tem interesse na condenação, assim como a defesa tem interesse na
absolvição ou em outra causa que possa ao menos diminuir a pena do acusado.
Romualdo
Saches Calvo Filho
Advogado
criminalista, professor de direito e processo penal e presidente da APDCrim e Gestor da Sanches Calvo Advogados
Rômulo
Augusto Sanches Calvo
Advogado
criminalista e pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Mackenzie
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