O
tribunal do júri brasileiro tem matriz no art. 5º, XXXVIII da Lex Mater, cuja alínea “c” prevê a
denominada soberania dos veredictos populares, significando que a decisão de
mérito dos jurados não pode ser reformada, alterada ou modificada por outro
órgão jurisdicional, seja em que grau for, podendo apenas ser a decisão dos jurados
cassada, julgada sem efeito, apenas
por uma vez, submetendo-se o réu a novo júri, quando, caso se repita a
decisão do primeiro julgamento, não poderá qualquer das partes processuais
novamente recorrer pelo mérito, isto é, recorrer argumentando ser o réu culpado
ou inocente, com arrimo de ter sido a decisão manifestamente contrária à prova
dos autos.
Deveras, se “a” elevado a julgamento
pelo júri, sendo ai condenado, poderá a defesa manejar o recurso de apelação,
com base no art. 593, III, “d” do CPP, argumentando pois ter sido a condenação manifestamente
contrária à prova dos autos, instante que, se o órgão recursal der provimento,
não poderá absolvê-lo, mas tão somente determinar um novo julgamento para esse
réu, em razão da soberania dos veredictos do júri, diferentemente do que
ocorreria com outro crime não da esfera de competência do júri, como, por
exemplo, o roubo, eis que se isso acontecesse, qual seja, a condenação do réu
por esse crime e a defesa apelasse, poderia o mesmo órgão recursal absolvê-lo
diretamente, reformando assim a decisão
condenatória de primeiro grau, situação que assim não pode ocorrer em se
tratando de crimes dolosos contra a vida.
Dessa forma, na sua segunda fase, o
plenário de júri, os jurados normalmente julgam somente os crimes dolosos
contra o bem jurídica vida, tentado ou consumado, quais sejam, homicídio,
induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto. Estamos
aqui diante dos crimes da competência originária
do tribunal do júri. Entrementes, temos a denominada competência ampliada do júri, prevista no art. 78,
I do CPP, quando estivermos diante principalmente da conexão, em razão da vis
attractiva, ou simplesmente força de atração que exerce o procedimento
especial do júri em face de outros da jurisdição comum, trocando em miúdos, se
um crime que não é da jurisdição especial, ocorrer em conexão ou
simultaneidade, muito ligado, de regra no mesmo palco delitivo ou muito próximo
dele, acompanhará, seguirá a sorte, será também julgado na segunda fase pelos
jurados, ou seja, se A estupra e mata B, ocultando-lhe também o cadáver, temos
que esse homicídio doloso contra vida será levado a julgamento pelo júri, bem
como os dois crimes conexos ocorridos com ele, qual seja, estupro e ocultação
de cadáver, quando os jurados no plenário de júri analisarão o mérito não só do
homicídio, mas também desses dois crimes conexos, não dolosos contra a vida,
mas que também ai são julgados por conta da conexão, da competência ampliada.
Por outra banda,
estabelece o art. 483, §6º do CPP que os crimes (dolosos contra vida e os
conexos), deverão ser objetos de seriações distintas, exigência para que os
jurados possam soberanamente aprecia-las e com isso manifestar sigilosamente
seu entendimento de cada uma, condenando ou absolvendo o acusado. Dessa
maneira, no exemplo anteriormente mencionado, após os encerramentos dos debates
no plenário de júri, o juiz presidente deverá elaborar três seriações distintas
de quesitos, a saber: a primeira seriação dirá respeito ao homicídio de B,
enquanto que a segunda seriação dirá respeito ao crime conexo de estupro e por último
a terceira seriação tratará do crime conexo de ocultação de cadáver.
Na
sala especial, onde houver, os jurados de forma monossilábica e sigilosa,
manifestarão o soberano veredicto a respeito de cada uma das perguntas que
constitui as três seriações individuais, de maneira que terão autonomia,
soberania, livre manifestação para acolher os três crimes, apenas dois ou
somente um, como, por exemplo, condenar o réu por homicídio e ocultação de
cadáver, porem absolve-lo do estupro. Digamos, ainda no exemplo anteriormente
mencionado, que os jurados entendam por condenar o réu por homicídio e
absolve-lo por estupro e ocultação de cadáver. Poderá o promotor recorrer parcialmente
dessa decisão, com base no art. 593, III “d” do CPP, objetivando a cassação do julgado só com referência
àquelas duas absolvições pelos crimes conexos (estupro e ocultação de cadáver),
quando, no caso de provimento desse recurso, em razão da soberania popular, não
poderá o órgão recursal reformar, modificar ou alterar o decisum dos jurados, no
sentido de absolver o réu nesses dos dois crimes, mas apenas mente cassar o
julgado, remetendo-o também a novo júri, o que talvez possa parecer estranho,
bizarro, mas é justamente isso que acontece.
A soberania dos jurados não se
restringe apenas aos crimes prevalentes,
leia-se, os crimes dolosos contra a vida mas também se estendem aos crimes não dolosos contra a vida, como é o
caso dos crimes conexos antes exemplificados, de sorte que, embora não muito
comum, veremos algumas sessões do júri sendo instaladas para julgamento apenas
de um crime conexo (estupro, ocultação de cadáver, resistência, desacato,
embriaguez ao volante etc.), de forma isolada,
isto é, sozinho, sem que o crime doloso contra vida seja também julgado na
mesma seção, conforme permite o art. 599 do CPP, ou seja, tantum devolutum quantum apelatum, ou seja, só se devolve ao órgão
recursal aquilo que foi objeto do recurso de apelação.
Nada obstante, tomamos mais uma vez
conhecimento aqui no escritório de um caso em que, absolvido pelo crime de
homicídio pelos jurados, mas condenado pelo crime conexo de ocultação de
cadáver, foi o réu absolvido desse delito em âmbito recursal, em vez de se
proferir a cassação do julgado no tocante a essa condenação por parte dos
jurados, o que tecnicamente não se
sustenta. Contudo, indubitavelmente a decisão foi mais favorável assim ao réu,
poupando a todos de novo julgamento só por esse crime conexo de ocultação de
cadáver. Mais uma vez viva a justiça consensual,
a advocacia de resultado, especialmente aquela que favorece o cliente!
Romualdo
Sanches Calvo Filho
Advogado
criminalista, professor de direito e processo penal e presidente da APDCrim,
com mais de 30 anos de experiência em plenários de júri de todo o Brasil.
Rômulo
Augusto Sanches Calvo
Advogado
criminalista e pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Mackenzie.
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