Pular para o conteúdo principal

Postura de advogado que se retirou da sessão do júri caracterizou desacato?

Um dos incidentes que marcou o tumultuado início dos trabalhos realizados perante o tribunal do júri da Comarca de Contagem/MG, envolvendo o acusado Bola, foi o fato de seu advogado ter saído da sessão e não mais voltado, por conta de ver seu pedido de adiamento desse julgamento indeferido pela juíza presidenta, uma vez que esse advogado desejava, entre outros, fosse dado a ele tempo maior para exercitar sua defesa, considerando que o tempo de 2 horas e meia destinado a essa tarefa tornar-se-ia deveras exíguo, tendo em vista que mencionado tempo deveria ser dividido com os defensores dos demais acusados, quando não restaria a cada um mais que 30 minutos para exercitar individualmente a defesa dos réus.
Por conta disso, o advogado de Bola deliberou não continuar mais naquele momento sua atuação na defesa, pelo motivo antes referido, o que determinou a consignação em ata de todo o ocorrido por parte da Sra. juíza, a qual também decidiu oficiar a OAB local para a tomada de providências cabíveis ao mencionado causídico, tudo ainda sem prejuízo de a juíza presidenta aplicar-lhe pesada multa,  com alicerce no art. 265 do Código de Processo Penal, além de determinar a apuração do crime de desacato em face desse mesmo advogado, eis que sob a ótica dessa magistrada, o abandono do processo praticado pelo defensor enseja não apenas aplicação de multa, mas também caracterizou na espécie a conduta de desacato descrita no art. 331 do Código Penal.
Com todo o respeito que merece mencionada magistrada, ouso discordar de sua equivocada e açodada postura, uma vez que o espírito da cabeça do art. 265 do Código de Processo Penal não tem o rigor que lhe quis emprestar a Sra. juíza presidenta naquele lamentável incidente, quiçá abroquelada em entendimento não menos equivocado do consagrado doutrinador Guilherme de Souza Nucci. Com efeito, parece-me que o legislador desejou sim punir severamente o defensor que abandona pura e simplesmente o processo, no caso, a sessão do júri, com o inequívoco intuito de não mais dispensar-lhe qualquer atenção, numa escancarada desídia, o que não foi a situação ocorrida no primeiro dia de julgamento do goleiro Bruno.
Conforme dicionário da língua portuguesa de Antonio Houaiss, abandonar significa deixar de todo, largar de vez, perder o interesse, não dar mais atenção etc. Desse modo, saltou claro que a iniciativa da defesa do acusado Bruno não foi largar de vez, de forma irresponsável, o plenário do júri, num típico abandono, mas tão só bater em retirada, unicamente naquele momento processual, objetivando a tomada de medidas pertinentes para debelar o prejuízo em tese experimentado por seu cliente!
É necessário distinguir puro abandono da pura retirada. O primeiro, como já dito, é a inequívoca e reiterada negligência do causídico, sujeitando-o, portanto, ao rigor emprestado pela Sra. juíza ao art. 265 do CPP. A segunda – a pura retirada -, significa que o advogado poderá se retirar de algum ato processual, como aconteceu na sessão do júri, por entender ocorrente inexorável afronta a alguma garantia processual ou mesmo constitucional ao direito de defesa, batendo em retirada, com o fito exclusivo de manejar medida processual disposta no ordenamento jurídico e com vistas a elidir qualquer error in procedendo (erro no procedimento), como, aliás, aconteceu no emblemático júri de Suzane Von Richthofen, onde o emérito criminalista e defensor Mauro Otavio Nacif retirou-se do plenário, de forma estratégica, augurando evitar mal maior ao direito de defesa de sua constituinte, postura que foi até elogiada pelo presidente da OAB/SP, Luiz Flavio Borges D’Urso.
Pior que o equívoco antes apontado, foi a circunstância de a Sra. juíza de direito arrematar seu equívoco com a determinação de se apurar a prática do crime de desacato contra o advogado de Bola, também por conta dessa sua retirada do plenário. A conduta do desacato é aquela de desdenhar, menoscabar, desprezar etc., o funcionário público no exercício de sua função ou por conta dela, enfim, injuriar o funcionário público, atingindo sua honra subjetiva, vale dizer, maltratar seu decoro e dignidade. Ora, existe palco mais adequado para sermos contrariados do que no fórum em geral?
A mera contrariedade ou discordância com o ato de um funcionário público, por si só, não tipifica a conduta do desacato, nomeadamente quando o ato cerceia, ainda que em tese, o direito de defesa dos acusados em geral. Se o advogado tivesse sido tão sensível quanto lhe foi a Sra. juíza presidenta, ele poderia também requerer em face dela alguma providência por abuso de autoridade! Se a moda pegar, o advogado será obrigado a adotar sempre e sempre postura complacente diante de toda decisão judicial, por mais arbitrária que ela possa ser em tese!
Por fim, temos que a postura da Sra. juíza presidenta, embora imbuída das melhores intenções, extrapolou o necessário, uma vez que um simples pedido de providência ao respectivo órgão de classe de mencionado causídico resolveria sem qualquer estardalhaço a questão ora debatida, almejando apurar eventual falta disciplinar do mencionado advogado.

fonte: http://g1.globo.com/minas-gerais/julgamento-do-caso-eliza-samudio/traduzindo/platb/2012/11/21/postura-de-advogado-que-se-retirou-da-sessao-do-juri-nao-caracterizou-desacato/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos e a soberania dos seus veredictos

Diferentemente do que acontece no direito constitucional, onde o significado de soberania tem a sua merecida interpretação, como sendo aquele poder único e incontrastável e que portanto não pode ser ofuscado, abalado, minimizado, apequenado, isso não ocorre no procedimento do tribunal do júri, onde essa mesma soberania elencada no art. 5º, XXXVIII, “c” da CF, sofre alguma baixa, restrição, uma vez que se argumenta, entre outros, que referida soberania do júri não poderia sobrepujar o direito a que tem todo o réu de recorrer de sentença condenatória a outro juiz ou tribunal, consoante estabelece a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos no seu art. 8ª, 2, ”h”, o qual tem ancoras no próprio texto constitucional por ter sido agasalhado por ele no Decreto nª 672/1998.             Sem prejuízo de descordarmos visceralmente desse entendimento que apequena essa soberania popular, ainda que em rota de colisão com o entendimento ma...

Plenário de júri, soberania dos jurados e crime conexo

O tribunal do júri brasileiro tem matriz no art. 5º, XXXVIII da Lex Mater , cuja alínea “c” prevê a denominada soberania dos veredictos populares, significando que a decisão de mérito dos jurados não pode ser reformada, alterada ou modificada por outro órgão jurisdicional, seja em que grau for, podendo apenas ser a decisão dos jurados cassada, julgada sem efeito, apenas por uma vez, submetendo-se o réu a novo júri, quando, caso se repita a decisão do primeiro julgamento, não poderá qualquer das partes processuais novamente recorrer pelo mérito, isto é, recorrer argumentando ser o réu culpado ou inocente, com arrimo de ter sido a decisão manifestamente contrária à prova dos autos.             Deveras, se “a” elevado a julgamento pelo júri, sendo ai condenado, poderá a defesa manejar o recurso de apelação, com base no art. 593, III, “d” do CPP, argumentando pois ter sido a condenação manifestamente contrária à prova dos autos, ...

O júri e o soberano veredicto popular em face de eventual contradição de resposta ao questionário.

Questão espinhosa em que nos vimos recentemente envolvidos diz respeito a um caso de júri que ingressou em nosso escritório. “A” e “b”, respectivamente, enteado e padrasto, foram denunciados perante o tribunal do júri e ao depois pronunciados por ter o primeiro matado a vítima mediante disparo de arma de fogo e tentado matar a namorada da mesma vítima, enquanto que o segundo, o padrasto, teria participado desse homicídio consumado e tentado, na medida em que teria fornecido apoio moral e material para “a”.             No plenário de júri, empolgamos a favor do réu “a”, entre outras, as teses de legitima defesa e privilégio e, no tocante ao réu “b”, sustentamos a tese de negativa de participação pura e simples.             A instrução probatória foi bem disputada e os ânimos das partes processuais estavam bem acirrados, explorando-se pau a pau cada brecha que surgisse para ...